quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A balada

Embalei o leito em que dormia, com a minha mão esquerda
e adormeci o meu lado direito
Embalei o leito em que sonhava, com a minha mão direita
e adormeci o meu lado sonhador
imaginei tudo tão perfeito
que me deu aquele aperto
aquela "..."
Porque não é preciso rimar para me entenderem
porque não é preciso escrever para rimar
porque os sonhos fazem-se assim mesmo a sonhar.

E se as rimas são perfeitas e despropositadas
as frases são longas e dificeis.
são escadas rolantes em que os pés encravam
em que o oleo derrama para alem das bordas sintéticas
são atalhos mais longos que caminhos
que me trocam a dor dos cravos nas mãos
por pura música para adormecer.

Chega-te para lá que eu quero dormir mais um pouco
e permanecer assim
até que chegue alguém
chega-te para lá que eu quero escrever hoje
para que daqui a um tempo este poema
não seja percebido por ninguém...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

By José Luis Peixoto

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu, depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

José Luís Peixoto, A Criança em Ruínas

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O Comboio do Amor

Sequei o molhado do cabelo na brisa de uma janela do comboio...
e nunca mais me constipei...
meti aquele som de que tu gostas
e empurrei a parte vertical do banco
contra as minhas costas.
Senti que estavas ali e tive esperança
esperança que um dia os teus olhos pudessem ser sempre o espelho do meu gostar
tal como a esperança de ter todos os dias um lugar junto à janela a ver o mar ...
...como meu assento (o aconchego).
Nos dias em que não corro, não transpiro, não olho para ninguem, não faço amor...
São dias que passam sem que nada me viole
são dias de pura contemplação...(em segredo)
mas continuo com a esperança de ter um lugar para me sentar...

O amor não são suspiros, não são lágrimas, não é a negativa de uma alegria contida. Não são "ais" sucessivos em busca de um sorriso pecaminoso que nos excite até à asma orgásmica...
O amor não são carris que nos levam à deriva por paisagens miraculosamente diferentes no mesmo trajecto
O amor não é o amor por si só uma troca de mimos por afecto...

O amor é aquilo que eu sinto que vou sentir toda a minha vida por ti, somente isso.
Independentemente de onde venha, de onde esteja, ou para onde vá no momento a seguir a te ver...
E isso chega para mim.

e para ti?

GR

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A nação

a vida tal qual ela é...é tão cansativa...
a vida tal qual ela é...
é a vida assim mesmo como dor que dói e passa e volta e passa e é cozida e abre e torna a doer até que me deito no chão e não tenho por onde adormecer...
e chove-me em cima
e o sol não aparece
porque tudo o que me mim morre
em ti cresce.
não tenho orgulho na minha pátria
não tenho vontade de fazer nada pela minha nação
tenho uma esperança débil de que haja algo para além do murmurio lento que oiço todos os dias de manhã...que me diz
acorda
levanta-te
vai à vida

...que escolheste...

não essa que querias...não...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010